quinta-feira, 3 de junho de 2010

Apito final

Aquela bala não era minha, mas parou em mim.
Sempre pensei no que pensaria na hora da morte.
Só conseguia pensar que estava morrendo.
Boca seca, o ar não chegava aos pulmões.
Mãos geladas, sangue no chão.
Estava com frio, precisava dormir.
Ouvia som de sirene se aproximando.
Olhos assustados me observavam com pena, medo.
Estava ficando escuro demais, mas deu para
notar que finalmente tinham chegado.
Abri os olhos acordada pelo som
alto da sirene e com o pedido do jovem médico.
Ele não queria que eu dormisse, mas eu estava
com frio demais para ficar acordada.
De alguma maneira eu sabia o que ia acontecer.
Ele e os enfermeiros já tinham
feito o possível, minha morte não seria culpa
de ninguém ali dentro, algo familiar em
seus olhos não me deixava ficar sozinha.
Acariciava minha cabeça, tentando olhar
discretamente minha temperatura,
como um amigo, um irmão preocupado.
Disse para ele que estava tudo bem.
Ele disse que daria tudo certo.
Estavamos na verdade tentando
nos acalmar, nos enganar.
E os meus amigos ?
E minha família?
Recebi a noticia que já estavam todos
no hospital, me esperando, mas eu
não veria ninguém e sabia disso.
Lágrimas escorriam pelo meu rosto.
Eu estava morrendo !
Tudo passava pela mente agora,
queria ver todo mundo ao mesmo tempo.
Queria visitar vários lugares, dizer tantas coisas,
mas meu tempo estava acabando.
Pelo menos não fui embora sem andar de ambulância.
Cheguei no hospital, começo da contagem regressiva.
Olhei para o médico, aflita.
E ele adivinhando minha pergunta respondeu rápido
que eu não iria morrer, segurei sua mão e o
livrei de qualquer culpa.
Tudo escuro novamente.
Agora, eu 'ouvia' um apito constante.
Desfibrilador .
Cinco...quatro...três....dois....um..
Cinco...quatro...três....dois....um..
Cinco...quatro...três....dois....um..
Um médico em silêncio.
Uma família na sala de espera.
Eu dormindo, ao som de um
apito constante, final.

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